sábado, 3 de fevereiro de 2007

NÃO SE MATE

NÃO SE MATE

Carlos, sossegue,
o amor é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira
ninguém sabe o que será.
Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para as bodas
que ninguém sabe quando virão, se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas, vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, pra quê.
Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira,
você é o grito que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.

O amor no escuro, não,
no claro,é sempre triste,
meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.

Carlos Drummond de Andrade

Sem comentários: