segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Parabéns Sargento Luis Gomes

O nosso sargento do Exército, general da guerra em defesa do amor, foi confrontado com a brutalidade da lei (...). É um filme de terror.

Aquilo que se passou no Tribunal de Torres Novas com a sentença formidável que atira para a cadeia um pai que sacrifica tudo, honra, liberdade, carreira, para salvar a filha remete-nos para o terrível contraste entre o mundo das leis e o universo dos sentimentos.Diga-se, desde já, que é possível que a decisão do tribunal seja formalmente justa. O crime de sequestro é grave e deve ser exemplarmente castigado. O erro monumental tem, por isso, roupeta judiciária correcta mas não deixa de ser um acto da mais pura desumanidade que só tem paralelo com a violência dos actos mais brutais cometidos pelos homens. E por entendimentos da vida que estão bem longe de ser a vida. Logo a partir dessa barbaridade que é o reconhecimento do papel de pai biológico. É um conceito que serve apenas para deturpar a verdade. Um indivíduo deu um espermatozóide dos muitos milhões que produz a uma mulher e fez uma criança. Isto é ser pai? O acto mais fácil, mas seguramente aquele que dá menos trabalho e, de certeza, menos prazer no que respeita ao nascimento, crescimento e educação de uma criança é legitimador de reivindicações canalhas? Numa sociedade justa, numa sociedade que acredita no valor da vida, dos afectos, da liberdade, ninguém pode ser reconhecido como pai se, por alguma vez, um dia que seja, ignorar as necessidades, o amor, o carinho que resulta das suas obrigações e devoções para com a criança que lhe aprende a voz, lhe reconhece os braços, que espera a sua ternura e ajuda. Ao contrário da maioria dos animais, o ser humano não tem vida autónoma após o nascimento. Não anda, não acompanha, não fala, não pensa. É mesmo capaz de ser o único ser vivo mais impreparado e que precisa de cuidado constante dos pais para crescer equilibrado, aprender a vida de forma adequada, reconhecer o amor através daqueles que dia após dia, noite após noite, lhe mudam as fraldas e dão de comer. Que lhe dão banho e o aconchegam no berço. Que o levam a passear e lhe ensinam os primeiros sinais da alegria de viver. As cores, os odores, os sons. E o embalam, lhe sorriem e abraçam. Não pode ser chamado pai a quem se desobrigou deste movimento de actos transcendentes e estruturalmente paternos.O nosso sargento do Exército, general da guerra em defesa do amor, foi confrontado com a brutalidade da lei que não conhece a força poderosa da dedicação a outro ser humano e, para indignação de todos nós, o trata como criminoso, encerra-o na cadeia e coloca a polícia à caça da mãe. É um filme de terror. O tipo que deu o espermatozóide há anos e ignorou os seus fundamentais deveres de paternidade é o protegido neste caso de vómito. Quando as leis caucionam a possibilidade de serem criadas situações como esta isto é um vómito. E só os cínicos podem omitir-se daquilo que está a acontecer. Os cínicos e o pior que esta sociedade produz quando se fala de direitos, de humanização, de solidariedade. E de amor. Desde o Presidente da República, passando pelo Governo, pela Assembleia da República, pelos tribunais, todos!, têm de agir e são responsáveis por esta vergonha. Se lhe perdoarmos os silêncios, se formos tolerantes com as convenientes omissões e falta de acção jamais podemos reconhecer na nossa falta de solidariedade com estes pais a nossa própria dimensão humana para a paternidade. É tempo de reaprender Salomão.

Francisco Moita Flores, Professor universitário

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